Bebedeira curada com mesinha.
Tinha aí os meus 5/6 anos, não
mais, depois de uma sesta dormida no beiral, e ainda com os olhos mal abertos,
olhei em redor para todos os cantos na tentativa de encontrar algo para comer.
Abri uma velha gamela e foi lá
que me deparei com um frasco cheio de cerejas conservadas em água ardente, não
me rogando, comi aí uma meia dúzia.
Não mais! …
Pouco tempo depois comecei a
sentir a cabeça a andar á roda e a perder o equilíbrio, com medo, corri para
junto da minha avó, sem que antes tivesse dado pelo menos três a quatro tombos
…
- Madrinha, madrinha dói-me muito a cabeça,
vejo tudo a andar á roda
Enquanto chamava a atenção da
minha avó voltei a cair.
- Ó meu Deus! Que te aconteceu?
Tens os olhos tão vermelhos!
Exclamou ela, largando de imediato a inchada com que abria os regos para
plantar o cebolo.
E correu para mim.
- Vou já tratar disso!
Pegou-me ao colo e levou-me para
casa, pousou-me, lá dos seus mais de 2 metros de altura, sentou-me na velha
preguiceira, pegou numa malga encheu-a de agua, abriu uma cova nas brasas
existentes na lareira, e com uma brasa presa na velha tenaz, começou a descrever
umas cruzes na minha testa, enquanto fazia umas rezas, deitava a brasa na malga
e repetia o ritual, fê-lo pelo menos uma dúzia de vezes.
Palavras eu não percebia uma, a
não ser, bchi,…, bchi…, bchi, … bchi…
Alguns minutos decorridos comecei
a sentir que as tonturas estavam a passar e voltei ao normal.
Nunca fui de acreditar em
determinadas coisas, mas sempre convém recordar o que dizia a minha santa avó:
- Deus deixou de tudo na terra o
mal e o bem.
Penso que a minha avó morreu á mais de 25 anos
e nunca descobriu que o me corou foi uma grande bebedeira de bagaço.
Rodrigo Oliveira
Amarante
2007
Nota.
Hoje com 43 anos de idade e já
com algumas bebedeiras curadas com o tempo, não tenho duvida que a minha avó me
corou a referida bebedeira com a sua crença, reza mesinha ou ambas, mas lá que
passou, passou.
O beiral é um anexo da casa onde
se guardavam as ferramentas agrícolas, as sementes e outras tralhas.
A gamela é uma caixa e forma
triangular com pernas e uma tampa toda ela feita em madeira, onde se amassava o
pão no fim-de-semana e servia para guardar o pão durante a semana ate nova
cosedura.
Guardava-se também na gamela por exemplo as
sardinhas compradas de manha ate á hora de as cozinhar ate mesmo o resto de
comida, eram guardados ai, em suma era o frigorífico da época.
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